"...É necessário o sacrifício - disse Gurdjieff. - Se nada é sacrificado,
nada pode ser obtido. E é indispensável sacrificar o que lhe é precioso no
próprio momento; sacrificar muito e sacrificar durante longo tempo. Não para
sempre entretanto ..." (Em Busca do Milagroso – pág. 49. P. O.)
Em nosso caso devemos fazer pequenos sacrifícios, os
mais simples possíveis. Por exemplo: num determinado momento percebo uma emoção
negativa. Já sei que ela não trará nada de bom para mim, nem no momento, nem
depois. Chegou a hora do sacrifício. Devemos dar um passo atrás de nossas
emoções, relaxar o corpo e não deixá-la em hipótese alguma se manifestar. Sacrificamos
até a própria "razão". Por mais certos que possamos estar naquele
momento, somente teremos razão se formos donos de nossas atitudes. Nesse
sacrifício, eliminamos a vaidade e o orgulho, sem nos importarmos com o
resultado de nossa "covardia", pois a maioria das pessoas acha que
coragem é perder o controle sobre si mesmo.
Uma outra força que nos rouba energia são as fantasias
interiores. Devemos sacrificá-las também. Aquilo que julgamos serem nossos
pensamentos e decisões não são mais do que acontecimentos aleatórios,
completamente fora de nosso controle. Se num momento acho que devo falar alguma
"verdade" para uma pessoa ou simplesmente tomar alguma atitude,
devemos sacrificar essas manifestações e apenas observá-las, nada mais. Tudo
vai passar; gritemos ou ficando quietos. Tudo passa, então devemos aceitar esse
fato e dentro de nós mesmos humildemente nos calarmos e procurar, através da
observação de si, entender o que está acontecendo. Estamos sacrificando nossas
próprias fraquezas.
Até agora só abordamos sacrifícios interiores, mas
também existem os exteriores. Vamos dizer que determinada pessoa diz que faz
qualquer coisa para acordar e quer ser um dia um guerreiro ou uma bruxa."-
Fale mestre! Que eu te sigo e faço qualquer coisa!". Nada é mais falso,
pois aqueles "Eus" que decidiram, daqui a uns instantes já não estarão
presentes e os "Eus" do choppinho, Kaya (maconha), festas e outras
coisas se apresentam e dominam a situação. A pessoa que não tinha dinheiro nem
para pegar um ônibus, bebe várias cervejas, fuma Kaya, vai a festas e tudo
consegue para satisfazer suas fraquezas. Nem o sono a pessoa deseja sacrificar.
Olha para o relógio e pensa: "Vou dormir mais um pouco. Hoje estou cansado
e muito mal." E lá se vai o dia com a pessoa se espreguiçando na cama.
Esperando o tempo passar e a morte chegar nos braços de Morfeu. Não quis
sacrificar a preguiça, pois a trata com carinho e zelo.
Também pode nos acontecer de termos que tomar uma
decisão onde teremos que sacrificar um serviço, ou uma profissão. Onde teremos
que escolher continuar no Trabalho de Gurdjieff ou seguir a vida. No nosso
interior já sabemos o que queremos, mas como gostamos de nos enganar, o que
falamos não é a verdade. Quando aparece uma oportunidade, por exemplo, um
emprego, marido, viagem, passeios, aniversários, enterros... qualquer coisa
"boa", já é o suficiente para a pessoa faltar às reuniões, domingueiras...
No nosso caminho encontramos vários obstáculos e para
sermos dignos de pertencer a uma Escola, devemos saber o que queremos. Caso
contrário, somos exatamente iguais a qualquer pessoa, estamos apenas à espera
de alguma oportunidade para sermos levados pelo rio da vida, pela correnteza
das atrações do mundo em que vivemos. Nas outras Escolas (Monge, Faquir e
Yogue) exige-se também sacrifícios. Ou você vive no mundo comum ou escolhe o
Caminho da Evolução e da imortalidade. Tanto num como no outro exige-se um
sacrifício. Nós estamos a todo momento nos sacrificando.
Digamos que uma pessoa que esteja no Trabalho de
Gurdjieff tenha a oportunidade de alcançar algo que sempre quis na realidade. Desde
um casamento feliz, filho, projeção em algum tipo de serviço com dinheiro e
fama. Essa pessoa tem que sacrificar sua imortalidade na Terra e o seu domínio
sobre si mesmo. A pessoa está sacrificando a sua consciência e a visão de
outras realidades, que lhe trarão um poder permanente. As duas decisões são
incertas. Se escolhermos a vida mundana, podemos pegar uma doença, ser
atropelados, ou não dar certo o que achamos ser certo. O tempo passou, nada
fizemos para nós mesmos e vamos tentar novamente, sempre na fantasia de que
depois voltaremos para o Trabalho de Gurdjieff. Isto é uma falsidade, é uma
mentira que alimentamos para nos enganarmos, pois nós somos o que fazemos e não
o que pensamos em fazer um dia.
No caso de uma pessoa permanecer nos Trabalhos de
Gurdjieff, também pode estar se enganando. Ela pode estar vindo para as
reuniões, movimentos, etc. e não estar fazendo exercício algum. O tempo vai
passar e a pessoa não vai conseguir quase nada de estável e duradouro; a única
coisa que a coloca um pouco melhor do que as outras pessoas comuns são os
movimentos e MOKUSO.
Os sacrifícios em geral dão um resultado e trazem algo
palpável e melhor do que aquilo que a pessoa pode ter perdido. O Trabalho de
Gurdjieff dá em troca de qualquer sacrifício sincero um poder interior que faz
a pessoa atrair outras oportunidades de maior vulto e aí a pessoa pode escolher,
com domínio da situação e ser dono de seu próprio destino. Neste ponto, quando
isso chega, alguma coisa também aparece, que é a consciência e a compreensão
trazendo junto com elas, a indiferença por aquilo que não seja o Trabalho. A
pessoa passa a escolher o que quer e não esperar oportunidades.
Nós do 4º Caminho estamos na vida mundana sem, contudo,
sermos levados por ela. Participamos de tudo o que for possível e lutamos para
melhorar nossa situação de profissão e estabilidade social, mas no momento que
tivermos que escolher entre um e outro, sabemos o que mais tem valor em nossa
caminhada. Se é a vida ou a evolução de nosso ser como um todo.
Há realmente dois rios. Um nos leva aos prazeres de festas,
comilanças, risos, viagens, família e uma velhice, esquecido num canto como um
entulho da sociedade, preocupado com os netos, ou em qual asilo ficaremos com
nossa carcaça velha e cheia de doenças e fraquezas. O outro rio é o do
sacrifício e Trabalho durante anos a fio, que nos trazem o equilíbrio e o
início de uma caminhada após o abandono dessa carcaça, que nos ajudou a chegar
e transpor limites acima de nossa atual compreensão, em mundos onde nossas
limitações esbarram no incompreensível e ficamos extasiados em apenas observar
o que existe e está à nossa disposição.
Temos a compreensão de que o homem não veio para
servir as suas próprias fraquezas, mas para uma existência onde os limites não
sabemos onde ficam. Contudo, não termos que sacrificar nada do que seja bom da
vida comum, apenas nossas fraquezas e nossos sonhos para sermos homens de
verdade, e seguirmos nosso real destino em busca do incomensurável, da
imortalidade, na direção daquele que nos
criou.
(22/11/00)
Nenhum comentário:
Postar um comentário