Toda pessoa que está satisfeita com o que é, com o que
sabe e com o que faz não tem possibilidade de mudar seu nível de ser. Temos que
primeiro acreditar que podemos ser melhores, tanto na compreensão intelectual
como no nosso sentimento. Para iniciar temos que fazer observação em tudo o que
somos não aceitando como final os dados colhidos. Então vamos dizer que
gostamos de um determinado tipo de música; devemos lembrar que isto não é
definitivo, mas ao ouvirmos a música, apenas senti-la sem deixar a cabeça
interferir; como também o que observamos em nós, e nos outros, Como fruto de
algo que já sabemos ou compreendemos.
Temos o costume de agradar certas pessoas e ignorar
outras. Devemos observar este sentimento, também, como algo mecânico de
distração. Por este motivo, os casais se auto- estimulam neste tipo de
situação, quando não estão atentos. A observação de si é algo que requer um
esforço de continuidade, para um tipo de armazenamento de energia, que não é
comum ao homem. Até nossas conversas, interiores e exteriores, possuem esta
mecanicidade; então devemos tratar de todos esses casos como algo a ser
estudado, através de um relaxamento do
corpo e da observação imparcial de si. Quando dormimos, isto é, passamos do estado de vigília para o estado de sono
com sonhos, vamos deixando gradativamente, os apegos da vida. Primeiro,
deixando aquilo que vemos, por isso fechamos os olhos antes de dormir. Depois,
os sons vão ficando distantes até não ouvirmos mais. Neste momento o corpo
começa a relaxar. Esse processo de desprendimento também deve ser seguido por
nós se quisermos acordar. Devemos ir nos desligando gradativamente,
inversamente, de tudo que nos prende.Primeiro tomando uma postura que não seja
comum e mantê-la, sentindo o corpo, relaxando os músculos, pois se estivermos
tensos com atenção nele ou tencionado propositalmente. Este deve ser seguido
por não fixar a atenção em um determinado som , mas nos ouvidos que recebem todos os sons exteriores, nossos
olhos podem até estar fixados em algum ponto, mas a atenção não deve se fixar
nele; e dentro de nós, não aceitar as vozes interiores como algo nosso.
Nas reuniões e Gurdjieff, devemos , ao estarmos no
local, lembrar porque viemos e o que estamos fazendo; é onde a atenção deve ser
de maior intensidade possível; desde os assuntos até aquilo que estamos fazendo
deve ser objetivado em aumentar o nosso nível de atenção. Como viemos para um
local de trabalho sobre si, não é local para dar continuidade ao chamado esquecimento
de si. Os filhos, namorado, marido, amigos, não devem ser tratados como tal, e
ao iniciar uma reunião, até o seu término os tratamentos da vida exterior devem
ser totalmente abandonados pois, do contrário, permanecemos na mesmice de antes
de chegar. É lamentável que nós percamos um tempo precioso com o continuísmo
daquilo que somos, pois uma mudança de nível de ser requer um esforço muito
maior do que fazemos. Sempre julgamos que estamos fazendo muito, quando na
verdade estamos fazendo o mínimo.
Quando nos deparamos com o inevitável, que pode ser
desde um simples tropeço até a morte, não estaremos acompanhados; estaremos com
nós mesmos. Muitos pensam, erroneamente, que o trabalho tem local. Na verdade,
onde quer que estejamos com atenção, devemos nos preparar para o inevitável.
Isto não quer dizer que devemos agir friamente com as pessoas que gostamos, ou
não. Devemos fazer tudo o que gostamos, mas não esquecermos de nós mesmos em
momento algum. Quando nos depararmos com
algo corriqueiro, distraidamente não temos possibilidade de escapar das
fatalidades, mas se estivermos com atenção estamos mudando o nosso destino.
O homem como é não tem destino; tudo acontece em sua
vida. Uma hora está alegre outra hora está triste, nervoso, bravo, ranzinza, se
quisermos deixar tudo isso para trás, um dia, não devemos aceitar nada do que
somos naquele momento, e com humildade, deixar o que não conseguimos controlar
fora de nós fluir e seguir o seu destino, pois nós estamos construindo com
nosso próprio esforço, e o homem comum, na sua distração não pode dizer que
gosta de alguém , pois não gosta ainda de si mesmo.
(Itaboraí,
25 de junho de 2003 )
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