quinta-feira, 29 de março de 2018

DESTINO


O que seria destino? Um fato que não pode mudar/ Algo imutável? Antes de tudo, o destino de quê? Vamos dizer que uma pessoa nasceu numa família de carecas, inevitavelmente o destino dessa pessoa é se tornar um careca também. Já não acontece se uma pessoa for escritora, seu filho terá outro destino, pode até também se tornar um escritor, mas esse pode não ser o seu destino.
Para começar, podemos falar que o corpo denso pode ter um destino e o homem dentro desse corpo ter um outro destino completamente diferente daquele que seu corpo vai ter. Sabemos que crescemos desde criança, nos tornamos adultos e com o tempo a decreptada velhice e por final o fim do corpo denso. Pergunto: o que restou daquela pessoa? Se durante a sua vida só ficou com sua cabeça cheia de fantasias e suas emoções sempre foram frágeis e negativas? Se existiam centenas de Eus fracos e fantasiosos, tudo isso não é nada duradouro, o tempo que fica ativo uma parte da pessoa, este é o seu tempo de vida, nada dentro de uma pessoa pode se falar que tenha um destino. Mas este que até agora falamos é o mais superficial. Tudo que fazemos dormindo ou não é algo que fica em nossa vida. Se uma pessoa corta um dedo, pode ter certeza que a cicatriz ficara no corpo. As nossas ações deixam cicatrizes no destino daquilo que temos dentro de nós e que pode estar dormindo.
Tudo o que acontece é fruto de algo que fizemos antes, bem antes até de nascer neste corpo. Algo pode nos acontecer e ser um merecimento ou fatalidade. Se a pessoa pratica um esforço consciente, ele se tornará um merecimento, se a pessoa fizer algo que prejudique outras pessoas,  esta atitude se tornará uma fatalidade na sua vida vindoura. Então, as pessoas que sofrem, por mais cruel que possa parecer pode ser algo que não sabemos o motivo, mas nada é injusto. A atitude que temos perante a fatalidade de outras pessoas é devido a nossa total ignorância a respeito daquilo que conhecemos como destino.
Um homem que trabalha sobre si, que passa anos procurando uma consciência de si ou outra superior, está fazendo o destino que qualquer homem tem direito, mas não quer. Segue pela vida sem se importar com seu verdadeiro destino. Ele tem direitos que não sabe que existe. Tem possibilidades que não sabe que pode usar e usufruir na vida. Passa a vida toda armazenando coisas que na hora da sua morte não adiantará de nada,  gastou tudo que podia em fantasias e nada ficou para si mesmo. O acúmulo de sua riqueza é fora de seu corpo, então na hora de sua morte ele verá o que possui e o que acumulou no decorrer de seu esforço diário (8 horas ou mais por dia). O seu carro, apartamento, dinheiro, nada é seu, é do mundo e para onde ele poderia ir, o seu “veículo” não foi formado. A sua existência foi para gastar o que podia acumular como energia para este momento. O estranho é que a pessoa pode ter o que quer do mundo externo e ao mesmo tempo acumular no decorrer de sua vida algo para si mesmo que persista a pós a morte de seu corpo denso.
Os exercícios que praticamos é para serem usados na vida, não temos necessidade de nos isolarmos de nada. Ao contrário, temos é que participar da vida, sem estar identificados com o que fazemos e sentimos. Cada esforço do Trabalho de Gurdjieff é um acúmulo de energia que se tornará consciência. Nós não lutamos contra nada, o combate é para separarmos interiormente as nossas vozes de decisão, de ação, daquele que observa o fato. É um trabalho dentro de si que se exterioriza em nosso atos de exercícios, movimentos, domingueira, etc. Que é a prática sem fantasia que fazemos para nos conhecer, e que após isto tentamos ser o que antes julgávamos ser ou que julgávamos ter em nosso interior.
O homem fica satisfeito com o mínimo que a vida lhe dá e o Trabalho de Gurdjieff exige da pessoa algo que a pessoa não sabe que possui. Em outras palavras, a pessoa se esforça primeiro para depois saber o que vai querer da vida. Nós não falamos o que é melhor para uma pessoa, nós damos indicações para se ter uma mudança de compreensão e esco9lher por si mesmo o que é melhor para a sua vida. Quanto mais consciência, mais diferentes são os gostos das pessoas e sua maneira de viver e encarar aquilo que lhe é de valor. O homem no Trabalho muda tudo dentro de si, até o seu destino comum, que passa a ser dirigido pela sua vontade.

terça-feira, 20 de março de 2018

A MENTIRA


O Trabalho de Gurdjieff é sobre a mentira. O homem vive se enganando e tentando enganar os outros com várias formas de mentira. A pior delas é aquela que ele acredita ser verdade e a mais inocente é aquela que ele sabe que está mentindo para os outros. Por isso podemos dizer que a mentira é o caminho da escuridão e da inconsciência. Facilmente o homem jura que ele não mente, seria melhor dizer que não sabe que está mentindo e procurar descobrir as realidades que o cercam em sua cabeça e em seu sentimento. Como gostamos da nossa mentira e queremos que ela seja verdade qualquer coisa que desmistifique esse engano não é bem aceito. As pessoas do Trabalho procuram dentro das suas próprias possibilidades não se enganar, mas deixam uma brecha para poder agüentar a dura realidade de suas próprias fraquezas.
Eu pergunto: como escapar disso?
A primeira coisa que se deve fazer é não se defender justificando seus próprios atos por mais certos e corretos que sejam, pois não temos a possibilidade de ver tudo o que se passa conosco. As nossas limitações de compreensão e consciência são enormes. Com a atitude de não nos defendermos começamos a ter uma possibilidade de duvidarmos de nossa própria capacidade e com isso ver um pouco do que somos. Ter razão nem sempre é ter consciência.
A segunda coisa que deve ser feita é interiorizarmos relaxando o corpo para nos observarmos como se fôssemos pessoas totalmente desconhecidas e que não soubéssemos absolutamente nada sobre nós mesmos. Nessa posição verificamos minuciosamente o que estamos sentindo, nossas conversas interiores e acima de tudo nossa postura corporal, pois uma grande parte das nossas emoções permanecem por não observarmos nossa postura, por exemplo: se estivermos incomodados com algum assunto sentado em alguma cadeira devemos descruzar a perna, endireitar a coluna e olhar a pessoa que está conversando conosco pronto para recebermos um ensinamento e não uma contestação daquilo que estávamos defendendo.
A terceira coisa que não devemos fazer é julgar que as pessoas estão entendendo tudo o que falamos ou falarmos como se a pessoa fosse idiota, repetindo uma mesma coisa que já foi dita ou comentada. Ao falarmos com alguém devemos ser precisos nas palavras de forma que não haja dúvida daquilo que estamos falando, isto requer uma atenção sobre si e uma observação com quem estamos falando, pois existem momentos que a pessoa está totalmente dormindo e se falarmos naquele momento achando que a pessoa vai entender estamos dormindo também. Portanto, se ao constatarmos que uma pessoa está distraída devemos primeiro ficar em alerta e criar uma situação que a pessoa fique mais presente. Não confundir em ficar mais irritada, pois ao criarmos uma irritação durante a conversa estamos dormindo, pois não sabemos lidar com a pessoa que nós achamos que conhecemos, mas que na realidade nada sabemos sobre ela, ou quase nada. A atitude de uma pessoa desperta é sempre equilibrada e isto é observado na nossa tonalidade de voz e da pessoa, como também os movimentos que são diferentes quando uma pessoa está com atenção em si.
A mentira é falar ou fazer algo que não sabemos o que é, mas imaginamos saber. Por exemplo: uma pessoa diz que quer ir para um lugar, mas seus pais não querem e a pessoa fica dizendo para si mesmo que é infeliz por não fazer o que quer. Isto é uma grade mentira, pois se aparecer um gaiato que mexa com seu coração e a família não aceitar, ela arranjará um meio de manter contato físico e emocional com a pessoa indesejável, chegando até a ponto de expor sua própria saúde e sua vida por alguns momentos de prazer. Veja bem, até a sua própria vida em perigo sem nem ao menos questionar o perigo que está correndo.
Outra pessoa diz que ama o filho e que quer ter mais filhos, mas nem cuida do que tem. Não sabe como educá-lo, alimentá-lo, nem cuida das roupas que a criança veste, mas mesmo assim vai mentindo para si achando que mais um filho vai facilitar a sua própria vida de identificação.
Ao estarmos identificados com algo e aparecer outra coisa, a identificação não é dividida, é dobrada. Ao decidirmos ter uma família normal devemos saber que não se deve ter a mínima consideração com a mãe, pois ela vai rebentar o corpo todo e a sua própria saúde e um terço do seu tempo terá que ser dedicado a criatura que está para vir. Engana-se muito quem julgar que a família lhe pertence, a família foi feita para o mundo e é do mundo. Por esse motivo é que os filhos fazem o que querem e vivem como não querem. A perfeição que procuramos alcançar com nossos esforços para ter uma melhoria de consciência não deve ter nenhum empecilho, pois já temos o suficiente para trabalharmos sobre nós mesmos.
Ás vezes achamos que queremos o melhor para nossa vida, mas como estamos dormindo, não sabemos o que é melhor. Falamos que gostamos muito de nossos filhos, que queremos o melhor para eles e quando esse equilíbrio de família comum aparece menosprezamos e jogamos no lixo apenas por um tipo de sentimento dirigido pelo Centro Sexual. Os deleites que a outra pessoa nos causa balança totalmente nossos sentimentos mesquinhos de prazer, esquecendo de todas as manifestações e observações que acumulamos durante anos de esforço sobre si mesmo. Usa-se a desculpa do medo da solidão, quando na verdade todos que estão no caminho da evolução não estão sós, pois os nossos companheiros não são aqueles que estão na nossa cama ou em nossa mesa comendo, mas aqueles que estão no caminho verdadeiro que estamos seguindo, que é o da evolução espiritual.
Sempre achamos que tudo o que fazemos está correto, é outra mentira. É facilmente visível notarmos que ao nos determinarmos a fazer algo e ficamos na ilusão de que estamos fazendo é enganar a si próprio. Digamos que uma pessoa diga que vai fazer uma mesa de madeira e até chega a comprar ferramentas e madeira e vai protelando com várias desculpas de sua própria fraqueza e o tempo vai passando e a mesa que poderia ser feita em um dia ou dois, passa meses sem ser tocada. Isto é uma ilusão que não somente está visível como está mostrando também a fraqueza interior que temos de fazermos os exercícios pedidos de nosso trabalho. O que somos interiormente é o que manifestamos exteriormente. Uma pessoa que trabalha ou faz algo sobre pressão, não é ela que está fazendo o serviço, quem está mandando é que merece o mérito.
Alguém diz que não está satisfeita com seu próprio corpo dizendo tristemente estou gorda, mole, durmo muito, querendo se enganar. Claro que a pessoa está satisfeita com seu próprio corpo, pois não somos donos do destino de nosso veículo. Em vez de nos queixarmos de nossa forma física de estarmos ficando com ruga, varize, celulite e outros detalhes, devemos e podemos é criar um corpo permanente onde a pior das manifestações que podemos ter são as identificações com aquilo que não tem valor e que não se deve dar valor. O nosso objetivo na vida é evoluir e para isso devemos tirar tudo o que nos enfraquece, como raiva, vaidade, orgulho, inveja.
Outro engano é acharmos que tudo está contra nós e que só nós estamos certos. A pessoa pode não gostar e não querer trabalhar, mas diz que está procurando um serviço para si e os dias passam e a pessoa dormindo até 11 horas, vendo filmes e passeando, fica falando que não encontra serviço, isto é uma mentira pois o que a pessoa realmente quer é o que está fazendo e não o que diz que precisa.
A mentira, portanto deve ser observada em todos os seus aspectos, tanto do que fazemos, falamos como o que achamos ser correto e não temos possibilidade nenhuma de saber quem realmente somos.
A melhor maneira de saber se estamos mentindo para nós mesmos é participando de um grupo de atenção e permitindo que numa reunião os outros integrantes possam nos falar como estamos ou então que eles e o orientador nos mostrem a verdade, mesmo que não gostemos. É nesse momento que teremos a escolha entre ficar com a mentira que gostamos ou a verdade que não nos agrada, mas é quem nos impulsiona a crescer e evoluir.

segunda-feira, 12 de março de 2018

IDENTIFICAÇÃO


As pessoas que estão no Trabalho de Gurdjieff se colocam a disposição de reuniões, movimentos e trabalhos cansativos fisicamente, isso levou-os a conhecerem-se entre si, até um certo nível de disposição e situação de atitudes externas, isto deve ser acompanhado junto com a disposição interior. A pessoa do Trabalho não deve apenas ficar presente externamente, deve a todo momento ficar se observando e fazendo os exercícios que conhecem, pois existe uma limitação em cada um de nós, podendo ser de qualquer centro e isto podemos  chamar de desequilíbrio interior e normalmente é muito difícil da própria pessoa perceber. Uma determinada pessoa pode até ter idéia de identificação, mas isto é uma força, às muito maior do que a própria pessoa possa perceber em si mesmo. Pelo simples motivo de que esta força existe mas não é colocado à prova, se num determinado grupo se colocasse à prova o nível de identificação de cada pessoa, possivelmente o grupo se desmancharia. Nos trabalhos de Gurdjieff não existe provar alguém, pois num trabalho interior não existe competitividade, todos os esforços são pessoais, para se auto-conhecerem e gradativamente cada elemento do grupo vai evoluindo internamente, através de seu próprio esforço e se livrando das identificações.
Woman in the mirror, Paul Delvaux, 1936.
Existem inicialmente 3 tipos de identificações e a partir desses 3 tem centenas de outros mais fracos. Nós nos identificamos com objetos, que nos pertencem e também de outras pessoas, com pessoas e animais se iniciando com os familiares e amigos próximos e acima de tudo com nós mesmos que é o pior de todos, pois é o mais difícil de perceber. Uma determinada pessoa tem uma série de costumes que adquiriu durante a sua vida, desde a maneira de vestir , falar, comer, e os gostos pessoais  por livros, filmes, tipos de pessoas,  etc. Se perguntarmos a uma pessoa por que e ela gosta ou faz uma coisa ou outra ela se justificará e se defenderá, até julgará as outras que tenham gosto diferente, isto nada mais é do que uma forma de identificação que deve ser observada e até trabalhada em cada um de nós, pois pode por um motivo ou outro se transformar em impedimento para um trabalho sobre si e sabemos que isto é uma porta onde uma pessoa não consegue ultrapassar, é o limite de cada um. Se perguntarmos para um grupo se deixariam o Trabalho de Gurdjieff todos afirmariam que jamais, em hipótese alguma parariam de vir ao grupo, mas no decorrer do tempo, por algum motivo de identificação pode se tornar um impedimento para um esforço de grupo.
Qualquer pessoa quer se esforçar para se tornar imortal , sair do corpo, ter consciência superior, etc...mas quando os verdadeiros impedimentos se apresentam tudo é esquecido e os motivos das identificações se tornam muito mais forte do que a própria força que uma pessoa conseguiu acumular durante meses e até anos de freqüência num grupo.Ao perguntamos a uma pessoa o que é mais importante em sua vida, ela imediatamente falará que é o grupo de Gurdjieff e até mostrará que está pronta para sacrificar qualquer coisa de sua vida como serviço, família , dinheiro, etc. Naquele momento, o que a pessoa falou é real e ela poderá até matar alguém ou abandonar o que mais gosta. É um erro pensarmos que isto é a totalidade da pessoa, , é apenas um eu daquele momento; e os outros? Onde estão? Qual é a força que os outros tem? Somente saberemos se a situação da vida da pessoa a colocar diante desses impedimentos.
Uma pessoa que está se obs alguns momentos outros não mas ela se julga capaz de se observar a todo momento, é uma falsa idéia. Nós não temos essa capacidade mas nós podemos nos determinar a não seguir em hipótese alguma qualquer idéia que nos tire de uma observação imparcial de nós mesmos então  quando a força externa se apresentar forçando a nossa identificação nós podemos dar um stop em toda a nossa vida até aquele momento e na observação não deixar se manifestar  absolutamente nenhuma voz interior, nenhum sentimento, nenhuma atitude, nenhuma resposta, chama-se neutralizar-se. Esta é a forma mais alta que um homem que se diz guerreiro pode ter. Aceitar a sua própria incapacidade de fazer algo naquele momento e continuar todos seus afazeres como se todos os acontecimentos exteriores incluindo seu próprio corpo não fizesse parte do que está acontecendo e como um autômato, direcionar seu corpo nas mecanicidades da vida apenas observando, incluindo os Trabalhos de Gurdjieff. Nesta situação uma pessoa pode chegar a uma compreensão de nível superior a da sua própria capacidade pois ela abandonou tudo aquilo que podemos chamar de identificação e nesta situação existe uma força muito superior que acompanhará a pessoa trazendo uma compreensão que poderia demorar anos para tê-la.