O Trabalho de Gurdjieff é sobre a mentira. O homem
vive se enganando e tentando enganar os outros com várias formas de mentira. A
pior delas é aquela que ele acredita ser verdade e a mais inocente é aquela que
ele sabe que está mentindo para os outros. Por isso podemos dizer que a mentira
é o caminho da escuridão e da inconsciência. Facilmente o homem jura que ele
não mente, seria melhor dizer que não sabe que está mentindo e procurar
descobrir as realidades que o cercam em sua cabeça e em seu sentimento. Como
gostamos da nossa mentira e queremos que ela seja verdade qualquer coisa que
desmistifique esse engano não é bem aceito. As pessoas do Trabalho procuram
dentro das suas próprias possibilidades não se enganar, mas deixam uma brecha
para poder agüentar a dura realidade de suas próprias fraquezas.
Eu pergunto: como escapar disso?
A primeira coisa que se deve fazer é não se defender
justificando seus próprios atos por mais certos e corretos que sejam, pois não
temos a possibilidade de ver tudo o que se passa conosco. As nossas limitações
de compreensão e consciência são enormes. Com a atitude de não nos defendermos
começamos a ter uma possibilidade de duvidarmos de nossa própria capacidade e
com isso ver um pouco do que somos. Ter razão nem sempre é ter consciência.
A segunda coisa que deve ser feita é interiorizarmos
relaxando o corpo para nos observarmos como se fôssemos pessoas totalmente
desconhecidas e que não soubéssemos absolutamente nada sobre nós mesmos. Nessa
posição verificamos minuciosamente o que estamos sentindo, nossas conversas
interiores e acima de tudo nossa postura corporal, pois uma grande parte das
nossas emoções permanecem por não observarmos nossa postura, por exemplo: se
estivermos incomodados com algum assunto sentado em alguma cadeira devemos
descruzar a perna, endireitar a coluna e olhar a pessoa que está conversando
conosco pronto para recebermos um ensinamento e não uma contestação daquilo que
estávamos defendendo.
A terceira coisa que não devemos fazer é julgar que as
pessoas estão entendendo tudo o que falamos ou falarmos como se a pessoa fosse
idiota, repetindo uma mesma coisa que já foi dita ou comentada. Ao falarmos com
alguém devemos ser precisos nas palavras de forma que não haja dúvida daquilo
que estamos falando, isto requer uma atenção sobre si e uma observação com quem
estamos falando, pois existem momentos que a pessoa está totalmente dormindo e
se falarmos naquele momento achando que a pessoa vai entender estamos dormindo
também. Portanto, se ao constatarmos que uma pessoa está distraída devemos
primeiro ficar em alerta e criar uma situação que a pessoa fique mais presente.
Não confundir em ficar mais irritada, pois ao criarmos uma irritação durante a
conversa estamos dormindo, pois não sabemos lidar com a pessoa que nós achamos
que conhecemos, mas que na realidade nada sabemos sobre ela, ou quase nada. A
atitude de uma pessoa desperta é sempre equilibrada e isto é observado na nossa
tonalidade de voz e da pessoa, como também os movimentos que são diferentes
quando uma pessoa está com atenção em si.
A mentira é falar ou fazer algo que não sabemos o que
é, mas imaginamos saber. Por exemplo: uma pessoa diz que quer ir para um lugar,
mas seus pais não querem e a pessoa fica dizendo para si mesmo que é infeliz
por não fazer o que quer. Isto é uma grade mentira, pois se aparecer um gaiato
que mexa com seu coração e a família não aceitar, ela arranjará um meio de
manter contato físico e emocional com a pessoa indesejável, chegando até a
ponto de expor sua própria saúde e sua vida por alguns momentos de prazer. Veja
bem, até a sua própria vida em perigo sem nem ao menos questionar o perigo que
está correndo.
Outra pessoa diz que ama o filho e que quer ter mais
filhos, mas nem cuida do que tem. Não sabe como educá-lo, alimentá-lo, nem
cuida das roupas que a criança veste, mas mesmo assim vai mentindo para si
achando que mais um filho vai facilitar a sua própria vida de identificação.
Ao estarmos identificados com algo e aparecer outra
coisa, a identificação não é dividida, é dobrada. Ao decidirmos ter uma família
normal devemos saber que não se deve ter a mínima consideração com a mãe, pois
ela vai rebentar o corpo todo e a sua própria saúde e um terço do seu tempo
terá que ser dedicado a criatura que está para vir. Engana-se muito quem julgar
que a família lhe pertence, a família foi feita para o mundo e é do mundo. Por
esse motivo é que os filhos fazem o que querem e vivem como não querem. A
perfeição que procuramos alcançar com nossos esforços para ter uma melhoria de
consciência não deve ter nenhum empecilho, pois já temos o suficiente para
trabalharmos sobre nós mesmos.
Ás vezes achamos que queremos o melhor para nossa vida,
mas como estamos dormindo, não sabemos o que é melhor. Falamos que gostamos
muito de nossos filhos, que queremos o melhor para eles e quando esse
equilíbrio de família comum aparece menosprezamos e jogamos no lixo apenas por
um tipo de sentimento dirigido pelo Centro Sexual. Os deleites que a outra
pessoa nos causa balança totalmente nossos sentimentos mesquinhos de prazer,
esquecendo de todas as manifestações e observações que acumulamos durante anos
de esforço sobre si mesmo. Usa-se a desculpa do medo da solidão, quando na
verdade todos que estão no caminho da evolução não estão sós, pois os nossos
companheiros não são aqueles que estão na nossa cama ou em nossa mesa comendo,
mas aqueles que estão no caminho verdadeiro que estamos seguindo, que é o da evolução
espiritual.
Sempre achamos que tudo o que fazemos está correto, é
outra mentira. É facilmente visível notarmos que ao nos determinarmos a fazer
algo e ficamos na ilusão de que estamos fazendo é enganar a si próprio. Digamos
que uma pessoa diga que vai fazer uma mesa de madeira e até chega a comprar
ferramentas e madeira e vai protelando com várias desculpas de sua própria
fraqueza e o tempo vai passando e a mesa que poderia ser feita em um dia ou
dois, passa meses sem ser tocada. Isto é uma ilusão que não somente está
visível como está mostrando também a fraqueza interior que temos de fazermos os
exercícios pedidos de nosso trabalho. O que somos interiormente é o que
manifestamos exteriormente. Uma pessoa que trabalha ou faz algo sobre pressão,
não é ela que está fazendo o serviço, quem está mandando é que merece o mérito.
Alguém diz que não está satisfeita com seu próprio
corpo dizendo tristemente estou gorda, mole, durmo muito, querendo se enganar.
Claro que a pessoa está satisfeita com seu próprio corpo, pois não somos donos
do destino de nosso veículo. Em vez de nos queixarmos de nossa forma física de
estarmos ficando com ruga, varize, celulite e outros detalhes, devemos e
podemos é criar um corpo permanente onde a pior das manifestações que podemos
ter são as identificações com aquilo que não tem valor e que não se deve dar
valor. O nosso objetivo na vida é evoluir e para isso devemos tirar tudo o que
nos enfraquece, como raiva, vaidade, orgulho, inveja.
Outro engano é acharmos que tudo está contra nós e que
só nós estamos certos. A pessoa pode não gostar e não querer trabalhar, mas diz
que está procurando um serviço para si e os dias passam e a pessoa dormindo até
11 horas, vendo filmes e passeando, fica falando que não encontra serviço, isto
é uma mentira pois o que a pessoa realmente quer é o que está fazendo e não o
que diz que precisa.
A mentira, portanto deve ser observada em todos os
seus aspectos, tanto do que fazemos, falamos como o que achamos ser correto e
não temos possibilidade nenhuma de saber quem realmente somos.
A melhor maneira de saber se estamos mentindo para nós
mesmos é participando de um grupo de atenção e permitindo que numa reunião os
outros integrantes possam nos falar como estamos ou então que eles e o
orientador nos mostrem a verdade, mesmo que não gostemos. É nesse momento que
teremos a escolha entre ficar com a mentira que gostamos ou a verdade que não
nos agrada, mas é quem nos impulsiona a crescer e evoluir.
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